quinta-feira, 8 de novembro de 2012

REAVIVAR E TESTEMUNHAR A NOSSA FÉ - I PARTE

“Reavivar e testemunhar a nossa fé” é o lema escolhido pelo Bispo de Bissau Dom Camnaté para a carta pastoral dirigida às comunidades cristãs e a todas as pessoas de boa vontade.


Eis o teor da primeira parte da carta Pastoral 2012-2013:


A importância do Ano da Fé, proclamado pelo Santo Padre, leva-me a dirigir-vos uma Carta pastoral que visa, em primeiro lugar, contribuir para um forte empenho de todos na renovação da fé e da vida cristã e, em segundo lugar, reforçar o papel que nos cabe desempenhar como homens e mulheres de fé na sociedade de que fazemos parte. O Ano da Fé , como afirma o Santo Padre, «quer contribuir para uma conversão renovada ao Senhor Jesus e à redescoberta da fé, para que todos os membros da Igreja sejam testemunhas credíveis e alegres do Senhor ressuscitado no mundo de hoje, capazes de indicar a "porta da fé" a tantas pessoas que estão em busca». Para título das reflexões, que no início deste Ano da Fé levo até vós, escolhi este lema: “ Reavivar e testemunhar a nossa fé”.


Dado o momento histórico que estamos atravessando no nosso país, o caminho que temos a percorrer juntos apresenta-se cheio de dificuldades e desafios. Todavia, a determinação de os enfrentar incita-nos a renovar e a testemunhar a nossa fé. Com a fé, animada pela esperança e caridade cristãs, vem o que chamamos espírito de fé. É a visão sobrenatural, profunda, serena e consoladora das realidades quotidianas à luz de Deus que é bom e providente; é a apreciação de tudo e de todos segundo os critérios evangélicos, de que são admirável síntese as bem-aventuranças; é a aceitação alegre dos trabalhos de cada dia e de cada hora como expressão concreta da vontade santificadora de Deus; é a imitação de Cristo e daqueles que a Igreja nos aponta como exemplos mais perfeitos e acessíveis dessa mesma imitação: a Santíssima Virgem e os Santos. Nesta linha, quão fecundo pode ser o Ano da Fé!


Que podemos esperar do Ano da Fé? Antes de mais, uma consciência mais clara no povo cristão de que esta virtude teologal é o primeiro radical dom de Deus ao homem na ordem da graça. Se a caridade revela e realiza o cristão, se a esperança o orienta e anima na vida, é a fé que o define como tal. Como dom, a fé deve pedir-se a Deus e deve também agradecer-se, cultivar-se e renovar-se. Se a fé não é alimentada, atrofia-se e pode morrer. O alimento da fé é a Palavra de Deus que se lê na Sagrada Escritura e se escuta nas leituras e proclamações bíblicas, que é pregada nas homilias e sermões, que é explicada nas catequeses, nos cursos e nas pequenas comunidades. Cresce a fé com o desenvolvimento da vida cristã, com a oração, a prática das virtudes e a frequência dos sacramentos.


I. REDESCOBRIR A FÉ CRISTÃ


Diante da profunda crise de fé, diante de uma perda do sentido religioso que constitui o maior desafio para a Igreja de hoje, a redescoberta da fé deve ser a prioridade no compromisso de toda a Igreja nos nossos dias. «Desejo que o Ano da fé possa contribuir, com a colaboração cordial de todos os componentes do Povo de Deus, para tornar Deus novamente presente neste mundo e para abrir os homens ao acesso da fé, ao confiar-se àquele Deus que nos amou até ao fim (Jo 13,1), em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado» (Bento XVI, no lançamento do Ano da Fé – Porta Fidei). Por isso, neste Ano da Fé convocado pelo Papa Bento XVI, um empenho particular de toda a Igreja será dedicado a reavivar e a aprofundar o conhecimento da doutrina católica, através da releitura e assimilação dos principais documentos do Concílio Vaticano II e do Catecismo da Igreja Católica.


1.1 O que é a fé?


A fé é o elemento central no cristianismo. O que é ter fé num mundo que não pergunta mais sobre a verdade das coisas, mas pergunta sobre a utilidade das coisas? Este mundo sem Deus quer viver dos factos concretos, visíveis, da competência e da eficiência pessoal... eu resolvo, eu decido.... A pessoa de fé, no entanto, confia naquilo que não é feito por ela, que não é visível, confia naquilo que é dado por um Outro. A fé dá um sentido profundo à existência e este sentido não pode ser construído ou comprado pelo homem, mas é recebido (dom).


Na fé eu recebo o que não pensei e, por isso, tenho a necessidade de ouvir, ouvir o que Deus revela, ouvir a Palavra de Deus. «Escuta, Israel, o Senhor é o teu Deus, Ele é o único Deus» (Ex 6,4). Na Bíblia, desde o Génesis que nos apresenta Abraão como exemplo paradigmático do homem de fé, até às passagens do Evangelho que levam Jesus a exclamar: «Foi a tua fé que te salvou»; «Nem em Israel vi tamanha fé»; «Homens de pouca fé»; «Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis àquela montanha que se movesse e ela obedecer-vos-ia…», tudo concorre para se ficar convencido da importância primordial da fé para alcançar a salvação e a vida eterna.

Ao longo da vida pública de Jesus, descrita nos quatro Evangelhos, a fé aparece como expressão da confiança em Deus, como adesão à Palavra de Deus, aos mistérios divinos, aos desígnios de misericórdia de Deus; como atitude básica de quem procura a salvação de Deus. Assim, na Bíblia, a fé é uma realidade mais rica e complexa do que a fé como virtude teologal, que a teologia clássica define como a adesão da mente, movida pelo impulso da graça, às verdades reveladas.


O Concílio Vaticano II foi bem claro, em vários dos seus documentos principais, ao dizer que a primeira missão da Igreja, e até mesmo a sua vocação, é levar a mensagem da salvação que faz despertar, amadurecer e elevar a graus sublimes da fé a todo o homem de boa vontade.


A fé é iniciativa de Deus. É Ele quem, primeiramente, nos ama e nos busca. Nós O encontramos definitivamente na sua Palavra. A fé é, portanto, um dom de Deus que nos é dado como proposta na sua Palavra. A fé acontece quando (e apenas quando) respondo à proposta de Deus. A fé tem dois aspectos interligados: a confiança pessoal em Deus e a aceitação (obediência) ao que Ele revela. «A fé é a atitude de quem está plantado no chão sólido da Palavra de Deus» (Bento XVI, 2005). A Palavra de Deus tomou forma humana, fez-se carne em Jesus. Nele Deus se manifestou humanamente. Muitas vezes e de muitos modos, Deus falou aos nossos pais. Nestes últimos dias, diz a carta aos Hebreus (1,1-3a), falou-nos por meio do seu Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas (e pelo qual também criou o universo. Ele é o resplendor da glória do Pai, a expressão do seu ser). Por isto nós cremos num Outro, num Tu, numa pessoa. O centro da nossa fé é Jesus, autor e consumador da fé (cfr. Hb 12,2). A fé cristã distingue-se da opinião, da crença, da ideologia e também da religião. Ela tem a ver com a Verdade e o Amor.


O essencial na fé consiste na resposta confiante e no abandono a Deus que veio até nós em Jesus Cristo. Creio em Deus que se manifesta em Jesus Cristo. A fé consiste em seguir o que Jesus revela e em entregar-se livre e totalmente a Deus, oferecendo-se a Ele que se revela, com a submissão plena da inteligência e da vontade, dando voluntariamente assentimento à revelação que Deus nos fez (cfr. Dei Verbum, 5). A fé cristã é uma atitude pessoal e livre, uma entrega amorosa e confiante a Deus, a partir da revelação que é transmitida viva e humanamente por Jesus Cristo, Deus presente. «Este é o meu Filho amado. Escutai-O» (Mc 9,7). 1.2 Os conteúdos da nossa fé Pela fé, começamos a ver com os olhos de Deus o próprio Deus e tudo quanto saiu das suas mãos. Só ela pode dar-nos o verdadeiro sentido do mundo e da vida, pois só ela nos abre à ordem sobrenatural, a única que realmente conta. Pela fé conhecemos em Cristo o Verbo de Deus e Deus verdadeiro traduzido em linguagem humana, a revelar-nos o Pai, e pelo Pai enviado a salvar-nos.

E em Cristo encontramos a explicação única das grandes realidades que nos podem interessar e tantas vezes nos preocupam: a nossa origem e destino, as nossas contradições internas e as do mundo; o mal e o bem, o pecado e a virtude, ânsia de felicidade e o sofrimento, o desejo de viver e a morte… sem fé, tudo isto é incompreensível, tudo isto se torna absurdo. A fé, adesão a Cristo, abre-nos para todos os mistérios cristãos, para aquelas virtudes que maravilham, confortam e dinamizam os santos, verdades resumidas no «Credo» que proclamamos nas assembleias dominicais. É o mistério da vida íntima de um Deus uno no inefável convívio de três Pessoas; é a criação do universo e do homem, saída por amor das mãos de Deus; é o pecado e a redenção pela morte e ressurreição de Cristo; é toda a «História da Salvação» com os longos antecedentes da Aliança Antiga, com a passagem pela terra e pelo Calvário do Redentor, com a sua presença continuada na Igreja que o Espírito Santo anima na sua obra até ao fim do mundo; e toda a vida cristã com as realidades deste tempo e da eternidade. Aprofundar estas verdades, vivê-las, proclamá-las, eis o inesgotável filão a explorar ao longo do Ano da Fé.