segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Homilia do bispo de Bissau na oração pela paz na Guiné, em Fátima-Portugal

Caros membros das comunidades africanas e demais irmãos na fé,
Viemos em peregrinação a este Santuário para rezarmos pelo nosso continente, formulada na prece «Santa Maria Mãe de Deus, rogai pelo continente Africano!».
Com efeito, reunidos pela fé e solidários com todos os nossos conterrâneos, temos muitas razões para elevarmos a nossa prece até Deus, por intermédio da Virgem Santa Maria, que, neste local sagrado, há quase um século, nos pediu oração e penitência.
Nascemos no continente africano, ou somos descendentes dos que lá nasceram. Amamos a nossa identidade e os nossos países. Orgulhamo-nos das nossas raízes e das tradições que os nossos antepassados nos legaram. Sabemos, porém, das dificuldades que temos de ultrapassar para nos inserirmos no mundo de hoje, onde sejamos respeitados na nossa dignidade e nos apresentemos como construtores de uma sociedade justa, harmoniosa e pacífica. São muitos os desafios que temos pela frente. Temos de eliminar a guerra, o tribalismo, o subdesenvolvimento, a doença, a sida, a fome, a pobreza, a corrupção, a expansão da droga, a exploração de que somos vítimas no plano económico. Permiti-me que, neste momento, eu ponha em destaque a necessidade da paz. Sem ela não conseguiremos ultrapassar muitos dos graves problemas que nos afectam, sejam no campo social, económico ou político. Como cristãos trata-se de um imperativo incontornável. Desejamos a paz e Cristo é a nossa força para nos empenharmos neste combate.
Hoje, viemos em peregrinação até à terra sagrada de Fátima, pedir a Deus por intercessão de Nossa Senhora Mãe de Deus e nossa Mãe, o dom da Paz completa para o nosso continente e para cada um dos nossos países. Aqui estamos agora a celebrar a Eucaristia e a receber em nosso coração os frutos da paixão e morte de Jesus por todos os pecados do mundo, inclusive os nossos e os dos nossos conterrâneos. A Eucaristia recorda-nos que “não há maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15,13). Jesus Cristo fez isso ontem por todos nós e convida-nos hoje a fazermos o mesmo nas circunstâncias variadas e com as pessoas concretas com quem nos relacionamos. No ambiente sagrado de Fátima, somos hoje desafiados a ter coragem de “gastar nossas vidas” (Lc 9,24) para que nossos conterrâneos possam também “ter vida e vida em abundância” (Jo 10,10).
Da Palavra de Deus, que acabámos de escutar, eu gostaria de destacar neste momento dois pensamentos importantes para a Paz em nossas famílias e nos nossos países. Esses pensamentos são tirados das duas leituras que escolhemos para esta Missa votiva em favor da paz em África.
1.A paz é o fruto da Sabedoria e da Justiça (Tg 3, 13-18):
Na primeira leitura, o apóstolo S.Tiago nos garante que a paz não se consegue com um coração cheio de invejas ou de discussões violentas ou facciosas, mas sim com um coração de misericórdia, de imparcialidade, de diálogo, de compreensão pelas ideias e pelos defeitos dos outros e de obras concretas de caridade para com o próximo. Quem pratica estas acções é verdadeiramente sábio e justo aos olhos de Deus e é um verdadeiro instrumento de paz no ambiente em que vive.
É desta paz que necessitamos em África, nomeadamente na Guiné-Bissau, país onde nasci, tenho vivido e assumi a responsabilidade de uma Diocese. Os esforços de todos os guineenses vão para além do esforço de se evitar mais uma guerra civil, tão cruel e decepcionante como a de 1998/99, pois eles devem centrar-se na capacidade de vivermos como verdadeiros irmãos na pátria comum, onde o diálogo sincero e o trabalho honesto ainda são possíveis e serão mesmo a única maneira para podermos ultrapassar os problemas que nos afligem. Vivermos como gente que acredita muito mais nos valores da sabedoria e da justiça do que nos puros jogos de política partidária, na força das armas ou no negócio enganador da droga. Mera política partidária não facilita o desenvolvimento harmonioso da sociedade; e armas e droga são factores permanentes de violência, onde os triunfadores de hoje são provavelmente as primeiras vítimas de amanhã.
2.Na vida em sociedade, o maior é aquele que serve (Lc 22, 24-27):
Na descrição de S. Lucas, também entre o grupo reduzido dos apóstolos, antes da ressurreição de Jesus, havia pretensões de liderança e de poder; imaginavam que o maior seria o que mais poder e mais força tivesse. Jesus corrigiu essa falsa visão dos discípulos mostrando-lhes, com o exemplo de sua própria vida, que a maior grandeza duma autoridade, seja ela qual for, está no empenho concreto que puser em servir o seu próximo.
É de autoridades como estas, que entendem e aceitem este caminho do serviço ao próximo, que a nossa África precisa, tanto a nível dos governos, como do exercício da actividade militar, da prática do direito e da justiça nos tribunais, da vivência real da cidadania a nível da família, da escola ou do emprego. Se todos procurarmos mais “servir do que ser servidos” (Mt 20, 28), alcançaremos a paz e de maneira mais duradoira. Não basta que critiquemos as autoridades políticas, os militares e os membros dos partidos políticos; é preciso que, naquilo que depende de nós, tenhamos a coragem e a alegria de bem servir o nosso próximo.
Caros amigos,
A terminar, eu gostava de vos recordar um ditado indiano que diz uma coisa muito simples mas também muito dinamizadora: - “um caminho, por mais longo que seja, começa sempre pelo primeiro passo”! No caminho para a verdadeira paz com justiça e desenvolvimento, estamos apenas no início da caminhada, se é que não estamos mesmo parados, como acontece em alguns países. Que cada um de nós tenha a coragem e a fé necessárias para dar um passo em frente e, assim, ajudar os nossos povos a desfrutar de uma sã convivência, que os irmane numa autêntica família, a nível dos diversos países e do nosso continente!
Nossa Senhora de Fátima, Rainha da Paz, abençoe os nossos povos e nos ajude a encontrar os caminhos da reconciliação, da justiça e da paz.
D. José Câmnate na Bissign